O Jardim das Palavras e o Poeta do Cotidiano

Não é raro que sejam apontados possíveis sucessores para o Mestre Miyazaki e Makoto Shinkai sempre figura entre os principais candidatos. Com seu novo filme ele reafirma esta condição.

As comparações entre Shinkai e Hayao Miyazaki provavelmente se devem ao estilo poético e contemplativo que os dois cineastas partilham em certos momentos, mas as possíveis similaridades param por aí. Os dois tem temáticas e imaginários diferentes e próprios, no entanto não é injusto com Shinkai fazer estas comparações. Seus filmes tem momentos de brilhantismo e sensibilidade dignos do Estúdio Ghibli.

Em sua produção anterior Shinkai trilhou com mais enfase o caminho da fantasia. Ainda que tenha sido uma pequena ruptura, o resultado foi o belo Children Who Chase Lost Voices (星を追う子ども Hoshi o Ou Kodomo). 

Agora ele volta com uma animação mais "realista" que abre mão até mesmo dos elementos de Ficção Científica de alguns de seus filmes anteriores. E o resultado é The Garden of Words (言の葉の庭 Kotonoha no Niwa), um filme encantador justamente pelo seu olhar lírico sobre os momentos mais corriqueiros de nosso dia a dia.

Claro, nada disto é novidade para quem conhece o trabalho do jovem diretor. Ele sempre extraiu beleza incrível e reflexão tocante de atos que vemos como apenas rotineiros. Pegar o trem, andar na chuva, uma troca de mensagens no celular, tudo isto pode ter um profundo sentido emocional porque está sendo feito por personagens com as almas repletas de emoções complexas.

Ao acompanhar os encontros de um casal em um parque, sempre em dias chuvosos, o diretor enfatiza ainda   mais esta sua habilidade de poetizar a vida urbana e a metrópole.

Seus protagonistas aqui tem sonhos modestos: Takao Akizuki sonha em ser sapateiro. Yukari Yukino é uma moça comum com o coração partido que tenta reencontrar a alegria. E quando eles se encontraram, ao acaso, nascem laços que vão torná-los duas pessoas diferentes ao final de sua jornada.

Para o diretor ser tão bem sucedido em arrebatar o expectador três coisas são fundamentais: o texto, a animação e a trilha sonora. Shinkai tem um texto poético, profundo e emocional. Suas palavras se entrelaçam lindamente com seu vocabulário visual de urbanidade lírica. E aqui entra o segundo item essencial para o  filme: sua linda e complexa animação. O filme tem três personagens centrais:  Takao,  Yukari  e a própria chuva. Ela é mais que o pano de fundo para os encontros dos dois. Ela dita o ritmo do filme e de seus encontros. Ela irrompe furiosa em um momento decisivo para o casal. Ela filtra a impressionante luminosidade translúcida do filme. Méritos para a equipe de efeitos da animação. Animar chuva é algo dificílimo. 

Dizer que há uma trama no sentido tradicional em The Garden of Words talvez seja um erro. Este é um filme de climas. De sensações. De gestos. E a animação de personagens, sutil e expressiva, triunfa ao traduzir tão bem as conversas destes dois que são feitas não apenas de palavras, mas antes de tudo de gestos, olhares e silêncios.

Soma-se a tudo isto o terceiro elemento: a trilha sonora pungente mas nunca piegas de Daisuke Kashiwa. Seus acordes ao piano eletrificam nossas emoções. 

Ao fim de seus apenas 45 minutos de duração você está definitivamente entrelaçado com as emoções destes personagens. Tão humanos. Tão vivos. Tão próximos de nós.

5 Mikus

Rogério Prado

Rogério Prado é um robozinho carismático e solitário que coleciona lembranças do passado. Não esperem. Este é o Wall-E. Rogério Prado é só um cara que adora cinema, animação, quadrinhos e outras nérdices em geral. Por favor, façam uma visita a minha página: hamletprimeiro on deviantART