Konstrutor de Mundos

Arte de: http://kosal.deviantart.com/ 

O que define um gênio?

Eis uma pergunta difícil. Ainda mais no campo das artes. Certamente há fatores objetivos como a influência da obra do artista sobre seus colegas, o reconhecimento da crítica, etc. Satoshi Kon se enquadraria na maioria deste quesitos, mas para mim talvez a sua qualidade fundamental seja a pura e simples capacidade de arrebatar o espectador.

Este nativo de Hokaido ingressou na industria japonesa do mangá como assistente de ninguém menos que Katsuhiro Otomo.

Depois de algumas experiências com mangá, mais notadamente seu trabalho autoral Kaikisen (1990), Kon concentrou seus esforços criativos no trabalho como roteirista, artista de layout e supervisor de animação em diversos projetos, entre os quais Patlabor 2 e Magnetic Rose.
Em 1997 finalmente ele fez sua estreia como diretor com Perfect Blue, demonstrando uma solidez, ousadia e segurança narrativas inacreditáveis para um diretor estreante. 

Azul Perfeito

O filme, um thriller psicológico sobre uma "idol" impiedosamente perseguida por um fã obcecado, já expõe umas das mais notáveis habilidades de Satoshi Kon: a capacidade de borrar a fronteira entre real e imaginário na tela de uma maneira que absorve, fascina, confunde e maravilha o expectador. Tudo ao mesmo tempo.

Vale citar que foi neste filme que começou a parceria do diretor com o Estúdio Madhouse que animou lindamente seus filmes, com seus designs mais "realistas", sua cenografia complexa e sua animação de personagens de atuações profundas e sensíveis.

O Poder do Cinema

O filme seguinte de Kon, Millenium Actress (千年女優 Sennen Joyū, 2001), é uma verdadeira carta de amor ao cinema. Nele acompanhamos décadas da vida de uma atriz célebre pelos olhos de um repórter e fã. Aqui mais uma vez O Mestre faz uso brilhante de metalinguagem para fundir memória e fantasia, realidade e ficção e cinema e vida. E ao fazê-lo o diretor coloca a arte de contar histórias na tela como algo poderoso e indispensável. Se Perfect Blue é um jogo narrativo cerebral e perturbador, em Millenium Actress Satoshi revela uma de sua maiores qualidades: ele não tem medo de ser sentimental. Ao acompanharmos a vida da protogonista fica claro que toda jornada dela foi motivada pura e simplesmente pelo Amor. O Amor em estado puro por um homem e pelos filmes e pela vida. 

Nas ruas de Tóquio

Em 2003 veio seu trabalho mais popular no ocidente. Em Tokyo Godfathers  (東京ゴッドファーザーズ Tōkyō Goddofāzāzu, 2003) três sem-tetos encontram um bebê abandonado durante a véspera de Natal e saem em busca da família da criança por Tóquio. A desculpa perfeita para Kon abordar de maneira eficiente e poética a vida dos excluídos numa sociedade que glorifica a eficiência. Ao invés de enredar o espectador em seus habituais e complexos jogos narrativos, a leveza da condução, o carisma dos personagens e o realismo mágico da narrativa capturam o expectador. Um filme saboroso.

Acrescente um pouco de Paprika

Uma terapeuta mergulha nos sonhos de seus pacientes para tratá-los. Um terrorista ataca as pessoas em seus sonhos.Esta premissa fascinante é o ponto de partida de Paprika, outro clássico contemporâneo. Aqui temos outra das personagens femininas tão fortes, belas e bem construídas do diretor. Claro que um filme que aborda os sonhos é perfeito para o Mestre exercitar sua habilidade de misturar delírio e realidade. E ele o faz brilhantemente, seja nas incursões de Paprika aos sonhos de seus pacientes, seja no pesadelo que ameaça engolir a realidade ou seja no desfecho delirante e inspirado que glorifica o feminino como salvador. Tudo isso embalado pela hipnótica trilha de Susumu Hirasawa, seu colaborador habitual. Misturar gêneros é algo que poucos diretores conseguem, mas Paprika é a combinação perfeita de FC, fantasia, policial e romance (sim, romance). 

 TV Inteligente

Outro desafio para o diretor foi levar seu estilo e sua temática complexa para a televisão em Paranoia Agent (妄想代理人 Mōsō Dairinin, 2004).

Quando um misterioso maniaco com taco de beisebol começa a fazer ataques aparentemente aleatórios somos tragados para os cantos mais sombrios da alma humana, ao mergulharmos na psique de suas vitimas e dos policiais que investigam o caso. Aqui o diretor parte das mentes destas pessoas para pintar um quadro maior e complexo da sociedade japonesa e suas obsessões. Em certo sentido Paranoia Agent é a obra mais complexa de Satoshi Kon. 

A Máquina de Kon

O promissor Dreaming Machine.

Satoshi Kon trabalhava em um novo longa quando recebeu o diagnóstico de câncer. O diretor faleceu  em 24 de agosto de 2010, aos 46 anos, deixando Dreaming Machine (夢みる機械 Yume Miru Kikai) incompleto. Não há previsão para conclusão da última obra do mestre, segundo o próprio Estúdio Madhouse, por falta de financiamento.

Satoshi Kon foi uma das novas vozes mais brilhantes do cinema mundial. É impossível não lamentar sua perda tão jovem e com tanto por realizar, mas cada uma de sua obras é tão única e inspirada que valeria por uma carreira inteira. Sim, ele influenciou seus pares, recebeu reconhecimento, inovou. Mas sobretudo seus filmes são uma alegria para o coração e a mente de quem os assiste.

Rogério Prado

colaborador intrometido :)

Rogério Prado é o último sobrevivente de uma poderosa raça de Senhores do Tempo... não espere, este é o Doctor Who (quem dera). Rogério Prado é só uma cara que adora Animação, Cinema, HQs, Música e mais um monte de coisas conhecidas como Cultura POP. Eu vou adorar receber sua visita: http://hamletprimeiro.deviantart.com/